A importância das conexões humanas

Faces da Beleza #032

Querida leitora,

Hoje, quero compartilhar com você algumas reflexões pessoais sobre minhas conversas diárias com um vendedor ambulante que mora no Aterro do Flamengo.

Costumo conversar com ele todos os dias, quando vou fazer meus exercícios matinais no local.

Ele tem uma bicicleta cargueira, um isopor, uma lona azul grande e "mora" debaixo de uma árvore grande, perto do deck do início da praia, que é passagem obrigatória entre o estacionamento onde deixo o carro e o trecho de areia onde faço exercícios.

Sempre chego bem cedinho, geralmente antes das 7h.

Algumas vezes, ele já está com sua estrutura montada; em outras, ainda está dormindo.

Nesta última terça-feira, ele já estava com tudo arrumado para os clientes: o isopor com as latinhas penduradas e os pacotinhos de biscoito em uma caixinha ao lado do quadriciclo.

Eu chego sempre com um café adoçado, dou meu bom dia para ele e ofereço o café fresquinho assim que chego.

Apesar de, algumas vezes, ele já estar com seu latão de Brahma na mureta, visivelmente bêbado, ele sempre aceita o café.

Nesta newsletter, compartilharei mais detalhes sobre minhas interações com esse vendedor ambulante, bem como histórias de outros moradores de rua que conheci ao longo dos anos no Aterro do Flamengo.

Essas experiências me levaram a refletir sobre a importância das conexões humanas em nossas vidas e como pequenos gestos podem fazer a diferença.

Espero que, ao final desta leitura, você se sinta inspirada a valorizar as conexões humanas em sua própria vida e a fazer a diferença, um pequeno gesto de cada vez.

(Sr. Vicente): Um Encontro e uma Conversa sobre Alcoolismo

Na última terça-feira, encontrei o Sr. Vicente, um vendedor ambulante que mora no Aterro do Flamengo, visivelmente bêbado e desanimado. Apesar de sua condição, ele sempre aceita o café que ofereço.

Fiz meu treino e voltei para pegar o coco verde que ele sempre guarda pra mim.

Nem ia pedir pra ele abrir, com medo dele se machucar com o facão, mas enquanto ele me servia, deu um jeito de tentar ajudar. Elogio o carrinho, a bicicleta, e falo que ele não precisa abrir o coco para eu comer a fruta desta vez.

Durante nossa conversa, ele mencionou que estava bebendo demais e que, por isso, havia perdido seu quadriciclo, roubado durante a noite.

No entanto, ele admitiu que não conseguia desistir da bebida, pois acreditava que "a vida é muito curta para não se divertir".

O Sr. Vicente também compartilhou que só se levantava todas as manhãs porque havia pessoas que o ajudavam, incluindo eu, com meu café diário e algumas palavras de conforto.

Naquele momento, refleti sobre a diferença entre aqueles que desejam viver mais e aqueles que desistem da vida por diversos motivos.

(Histórias de Outros Moradores de Rua): Pessoas que Conheci ao Longo dos Anos

Ao longo dos anos, conheci e convivi com diversos moradores de rua no Aterro do Flamengo, cada um com sua história única. Nunca perguntei o que fizeram ou por que estavam ali.

Ao levar o café da manhã pra eles no tempo da pandemia, eu só imaginava dar um conforto para cada um.

1. Sr. Jorge: Um senhor com voz rouca que aparentava ter mais de 60 anos e morava em uma Kombi estacionada no Aterro. Ele cuidava de cadeiras e outros utensílios dos barraqueiros, embora fosse tão magrinho que não dava pra imaginar ele defendendo nada além do ar que ele respirava.

O Sr. Jorge me presenteava com pequenos objetos, uma pulseirinha de contas, uma caixinha de som que ele ganhou e não tinha como carregar. Era engenhoso, criando bolsas com materiais descartados.

Entregava uma lata de nutrem, uns remédios pra dor ou gripe, uns agasalhos quando chovia.

E ele me explicava como conseguia dormir sem se molhar quando chovia, em uma barraca improvisada. Com o forro de nylon de cadeiras de praia descartadas, costuradas com uma agulha que ele mesmo fazia com varetas de guarda-chuva afiados nas pedras ou no chão.

Tinha um relacionamento difícil com os outros moradores do lugar e, de vez em quando, “se mudava” para outro banco, outro canto, outra praça.

Na última vez que o procurei para entregar uma canjica que minha mãe fez, ele estava morando na praça Nicarágua.

Me mostrou orgulhoso uma ratoeira que tinha construído. Bem grande que daria até para pegar uns gambás. Ele dizia que era gostoso.

Uns 10 dias depois, ele passou mal na praça e morreu ali mesmo. Nem deu tempo do socorro chegar.

2. Ricardo: Um homem que andava pela praia, sempre com os pés molhados e roupas sujas. Seu bom dia era internacional, Bon Jour ou Good Morning.

Dava risada e estava sempre alterado.

Sua aparência era tão estranha que, quando estávamos conversando, sempre se aproximava alguém pensando que eu estava em perigo.

Ele não tinha nada, nem a roupa do corpo.

Andava com uma sacola de mercado com algumas coisas que ganhava, mas não era infrequente ele largar a sacola por ali mesmo.

Jogava fora as roupas que estava usando há dias quando ganhava uma nova e era um bom papo.

Nos seus últimos dias, sem saber que seriam seus últimos dias, começamos a rezar uma Ave Maria depois do café.

No início, ele não lembrava direito. Com o passar dos dias, já rezava quase sozinho, nem precisava alternar com ele.

Morreu em uma briga no largo do Machado, e os “amigos” dele vieram correndo me contar no dia seguinte.

Sr. Fernando

3. Sr. Fernando: Um morador de rua que não era ligado a bebidas ou drogas. Tomava o café e comia o pão de todo dia, silencioso e discreto.

Quando descobriu que eu era médica, ele compartilhou suas preocupações com sua saúde. Revelou-se um morador de rua hipocondríaco.

Tinha toda sorte de sintomas: dor na cabeça, na barriga, zoeira no ouvido.

Era frequentador conhecido do posto de Saúde e tomava remédios. Tinha muito medo de morrer, era apegado a sua vida, embora não tivesse nada nem ninguém.

Um dia ele foi ao posto de saúde, e encontrou o que tanto o angustiava.

Foi hospitalizado e também não voltou mais para o Aterro. Eu tinha esperança dele ter conseguido voltar pra Bahia, mas seu destino não foi este.

Cada uma dessas pessoas tinha uma história que me marcou de alguma forma.

Importância da Conexão Humana

Hoje conversei com Sr. Vicente e ele disse estar se sentindo melhor, mais animado. Não tinha bebido pela manhã.

O que pude fazer é explicar que o álcool no início deixa o usuário animado e feliz, mas depois de um tempo ele libera substâncias no corpo que fazem sentir tristeza e depressão.

Que além de tudo que ele podia perder enquanto estava embriagado, ele experimentava a angústia sem ter ninguém para dividir. Indiquei que ele procurasse o posto e pedisse ajuda para o tratamento de dependência química.

Durante a pandemia, quando eu não conseguia ir ao Aterro devido à chuva, o Sr. Fernando mencionou que eu devia ficar triste pensando neles.

Isso me fez perceber que, para aqueles que recebem pouca atenção, a importância que imaginam ter é proporcional ao desejo de serem queridos e amados.

Pequenos gestos, como oferecer um café e um ouvido atento, podem ter um grande impacto na vida de alguém que está passando por dificuldades. É nosso dever, como seres humanos, estender a mão e oferecer apoio, mesmo que pareça insignificante.

A partir deste mês, a presença e a conversa com o Sr. Vicente serão meu incentivo para continuar frequentando o Aterro, apesar dos compromissos e obras que possam surgir.

Convido você, querida leitora, a refletir sobre suas próprias conexões humanas e a valorizar cada momento precioso que temos nesta vida. Pequenos gestos de compaixão e empatia podem fazer uma grande diferença no mundo.

Com carinho,

Dra. Luciana Palma (Lu) 🤍

Enriquecendo a alma

📚 Livro que estou lendo:
Não fossem as sílabas do sábado por Mariana Salomão Carrara

🎬 Filme que recomendo:
Here

🎬 Série que estou assistindo:
Bad Sisters

🎧 O que tenho ouvido:
Michael Singer Podcast

Quem é a Dra. Luciana Palma

Deixa eu me apresentar a você que chegou aqui agora.

Muito prazer! Sou a Luciana (Lu), cirurgiã plástica especializada em cirurgia das mamas, com mais de 23 anos de experiência na área. Formada pela UFJF em 1993, realizei residência em cirurgia geral e no INCA, no Rio de Janeiro.

Desde 2001, me dedico à Técnica de Mastopexia com cicatriz reduzida em L, buscando resultados estéticos superiores com menor invasividade.

Com mais de 5 mil cirurgias realizadas, sou preceptora de Serviços Credenciados da SBCP e coordeno o Curso Mama em L, compartilhando minha experiência com outros cirurgiões plásticos.

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