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Bastidores da medicina: o que ninguém conta sobre dinheiro e propósito

Faces da Beleza #025

Querida leitora,

Hoje quero compartilhar com você algumas reflexões muito especiais sobre um tema que, embora seja parte fundamental da nossa profissão, nem sempre é confortável de abordar: a relação entre dinheiro e medicina.

Sabe aquela sensação de realização quando vemos uma paciente feliz com seu resultado? Aquele momento mágico em que percebemos que transformamos positivamente a vida de alguém?

Para mim, essa sempre foi e continua sendo a verdadeira essência da cirurgia plástica.

Ao longo dos meus mais de 23 anos de profissão, vivenciei situações que me ensinaram muito sobre como equilibrar o lado humano com o profissional.

Algumas dessas experiências foram desafiadoras, outras até engraçadas, mas todas elas contribuíram para moldar a médica que sou hoje.

Lembro-me perfeitamente dos meus primeiros anos de consultório, quando ainda estava aprendendo a lidar com todos os aspectos da profissão.

Eu sabia operar, mas ainda precisava aprender a gerenciar.

E acredite, essa jornada de aprendizado continua até hoje.

O que eu não sabia é que essas experiências iniciais seriam verdadeiras professoras sobre a vida, me ensinando lições que nenhuma faculdade de medicina poderia ter ensinado.

Hoje, olhando para trás, vejo como cada situação desafiadora foi fundamental para construir quem sou hoje.

Os desafios de uma jovem cirurgiã: quando a técnica não é tudo

Imagine uma médica recém-especialista, dominando as técnicas cirúrgicas, mas ainda aprendendo a duras penas sobre gestão e relacionamento com pacientes.

Era eu, no Hospital Serv Baby, em Padre Miguel. Um lugar que se tornou parte da minha história entre 1998 e 2010 — tanto que foi lá que meu filho João nasceu, na primeira suíte da área expandida do hospital.

Naquela época, eu era tudo em um: cirurgiã, secretária, administradora financeira.

Fazia desde o atendimento até a cobrança, sempre acreditando que a parte comercial deveria ser secundária à confiança entre médica e paciente.

Um pensamento que, embora bonito, me trouxe algumas situações desafiadoras.

Meu único investimento em marketing era um pequeno anúncio no jornal do bairro que, surpreendentemente, trazia resultados mesmo sem o tradicional boca a boca e tão jovem.

Não tinha nem 30 anos.

Eu queria muito operar, ter pacientes felizes que me encaminhassem mais pacientes.

Lembro-me especialmente de uma paciente que me ensinou uma lição valiosa sobre confiança e negócios.

Após realizar sua cirurgia de implante mamário, ela começou a "enrolar" com o pagamento. Inexperiente, eu deixava para receber tudo depois.

Achava (e acho até hoje), que a transação comercial envolvendo uma cirurgia é secundária e impossível de não envolver uma absoluta confiança.

Mas essa situação foi ficando cada vez mais complicada. 

Primeiro, após muita insistência, ela pagou o hospital (ufa, não precisaria tirar do meu bolso!). Depois, com mais algumas tentativas, acertou com a equipe médica.

Mas ainda faltava o pagamento do implante mamário. O Sr. Hamilton, cobrador da empresa de próteses, já havia até procurado a paciente pessoalmente.

Foi quando tive uma ideia criativa — embora não muito ortodoxa.

Durante uma consulta de revisão, criei uma história estratégica:

  • disse que havia aparecido uma paciente interessada em colocar uma prótese exatamente do tamanho da dela e que, se ela não conseguisse pagar, poderíamos retirar sua prótese para usar na outra paciente.

Claro que isso é tecnicamente impossível - implantes são de uso único e jamais poderiam ser reutilizados.

Mas a estratégia funcionou: o pagamento apareceu imediatamente.

Aquela experiência me ensinou que precisamos de processos claros para proteger tanto o profissional quanto o paciente.

Hoje, tenho uma equipe especializada que cuida de toda a parte administrativa e financeira, permitindo que eu me concentre no que mais amo: cuidar das minhas pacientes com toda a atenção que elas merecem.

Quando a medicação pré-anestésica nos ensina sobre processos

Outra experiência marcante aconteceu também no Serv-Baby, com uma paciente chamada Cristiane.

Ela já era minha conhecida — havíamos realizado uma mastopexia anteriormente, e agora ela voltava para uma cirurgia no abdome. Éramos quase da mesma idade, o que criava uma conexão especial.

No dia da cirurgia, aconteceu algo que mudaria completamente minha visão sobre procedimentos administrativos.

Cristiane estava sozinha no quarto quando fui fazer a marcação pré-cirúrgica.

Ela já havia tomado a medicação pré-anestésica — aquela que além de relaxar, causa um efeito amnésico. Foi neste momento que ela me ofereceu os cheques do pagamento.

Ela trouxe os cheques preenchidos pelo marido e perguntou se eu gostaria de receber de uma vez.

Eu disse que sim, preocupada em deixar os pertences dela sozinhos no quarto. 

Uma semana depois, durante a revisão, meu coração gelou quando ela disse: "Dra., aconteceu algo muito chato no hospital. Depois que saí para a cirurgia, mexeram na minha bolsa e levaram todos os cheques que meu marido tinha preenchido." 

A medicação tinha feito seu efeito: ela não se lembrava de ter me entregue os cheques pessoalmente.

Esta situação me ensinou que precisamos criar protocolos rígidos para proteger tanto nossas pacientes quanto a equipe médica.

Hoje, tenho como regra: nada de questões financeiras ou documentações após a medicação pré-anestésica.

Estas experiências me mostraram que ser uma boa médica vai muito além do conhecimento técnico.

É preciso desenvolver uma estrutura profissional que nos permita focar no que realmente importa: o cuidado com nossas pacientes.

Quando o coração fala mais alto que os números

Quero compartilhar com você uma história mais recente, que tocou profundamente meu coração e me fez refletir sobre o verdadeiro significado do nosso trabalho.

Há cerca de três anos, eu ainda realizava muitas cirurgias de reconstrução imediata da mama.

São procedimentos especialmente delicados, pois lidamos com pacientes em um momento de extrema vulnerabilidade — enfrentando um diagnóstico de câncer e todas as incertezas que vêm com ele.

Como cirurgiã, carrego uma responsabilidade dupla nesses casos: preciso informar sobre todos os riscos e possíveis complicações, mas também tenho o compromisso de não aumentar a ansiedade de quem já está passando por tanto.

É um equilíbrio delicado entre ser transparente e manter a esperança.

Em uma dessas cirurgias, atendi uma paciente que chamarei de M.

O procedimento foi daqueles que nos deixam especialmente apreensivas - havia risco de necrose tecidual, algo impossível de prever durante a operação.

Durante sete dias, guardei essa preocupação só para mim.

Quando finalmente a vi na consulta de revisão e confirmei que estava tudo bem, meu coração se encheu de alegria.

Aquele momento de alívio e gratidão foi interrompido pelo marido dela, que me abordou no corredor dizendo: "Agora, doutora, vamos ao mais importante — o pagamento!"

Naquele instante, percebi algo fundamental:

  • muitas vezes, os pacientes não percebem o quanto meu objetivo é realmente uma transformação, um alívio as dores.

    Eu estava completamente imersa na realização do meu propósito - transformar vidas, aliviar dores, reconstruir não apenas mamas, mas também a autoestima e a esperança das minhas pacientes.

O valor da transformação vai além dos números

Querida leitora,

Compartilhei estas histórias com você hoje porque elas representam muito mais que situações desafiadoras do início da minha carreira — elas são marcos de transformação na minha jornada como cirurgiã plástica.

Ao longo destes mais de 23 anos de profissão, aprendi que o verdadeiro valor do nosso trabalho não está nos honorários que recebemos, mas nas vidas que transformamos.

Claro, precisamos de processos claros e de uma gestão profissional - isso nos permite focar no que realmente importa: você, nossa paciente.

Hoje, quando olho para trás, vejo como cada experiência me ajudou a construir uma prática médica mais estruturada e humana.

Da jovem médica que fazia tudo sozinha à coordenadora do Curso Mama em L, cada aprendizado foi essencial para que eu pudesse me dedicar ao que mais amo: realizar cirurgias que transformam vidas.

Com carinho,

Dra. Luciana Palma (Lu) 🤍

Enriquecendo a alma

📚 Livro que estou lendo:
Sobre a terra somos belos por um instante por Ocean Vuong

🎬 Série que estou assistindo:
Senna — Netflix

🎧 O que tenho ouvido:
Michael Singer Podcast

Quem é a Dra. Luciana Palma

Deixa eu me apresentar a você que chegou aqui agora.

Muito prazer! Sou a Luciana (Lu), cirurgiã plástica especializada em cirurgia das mamas, com mais de 23 anos de experiência na área. Formada pela UFJF em 1993, realizei residência em cirurgia geral e no INCA, no Rio de Janeiro.

Desde 2001, me dedico à Técnica de Mastopexia com cicatriz reduzida em L, buscando resultados estéticos superiores com menor invasividade.

Com mais de 5 mil cirurgias realizadas, sou preceptora de Serviços Credenciados da SBCP e coordeno o Curso Mama em L, compartilhando minha experiência com outros cirurgiões plásticos.

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