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Confissões de uma cirurgiã: por que voltei a ler ficção depois de tanto tempo

Faces da Beleza #026

Querida leitora,

2024 foi um ano em que voltei a ler ficção.

Sempre gostei de ler e me lembro que na pequena biblioteca de ficção do meu colégio eu já não tinha mais novidades. Gostava mesmo.

Mas havia abandonado o hábito por alguns motivos.

Seria fácil dizer que era falta de tempo, mas isso não é verdade.

Sempre tem um tempinho entre as cirurgias, antes de dormir, no domingo à tarde... mas eu sempre trocava a literatura de ficção por livros técnicos, de aprendizado em outras áreas ligadas à minha profissão como crescimento pessoal, marketing, organização. E as redes sociais também tomam muito tempo, o que já foi até tema de uma news recente.

Consegui ter tempo de ler 13 livros neste segundo semestre, e alguns deles me trouxeram insights que vou compartilhar aqui.

Talvez tenha algum spoiler.

Então, se você quiser ler o livro, pegue o título e volte aqui depois. Eles me impactaram de uma forma tão profunda que preciso compartilhar com você.

Quando a Profissão Não Define Quem Somos — "Agassi: Uma Autobiografia"

"Eu odeio tênis."

É uma reflexão muito forte pensar por que alguém pode repetidamente, por toda a vida, acordar pela manhã e se esforçar um bocado para atingir feitos realmente difíceis e competitivos.

Este tenista supercampeão foi motivado a ser um tenista profissional por demandas familiares pesadas e teve a coragem de expor que o motivo pelo qual ele é conhecido não o fez mais feliz.

Eu, como cirurgiã, muitas vezes sofro com a limitação de não ter o controle sobre todos os resultados.

A cirurgia plástica é muito importante na minha vida, mas a última coisa que eu diria é que eu odeio a cirurgia plástica.

Talvez possa melhorar o jeito que eu exerço (eu penso nisso todos os dias) e fazer o meu melhor para as pacientes e também para mim, mas poder transformar a vida de uma mulher por meio de uma cirurgia é fantástico.

Encarando Nossa Finitude — "A Morte de Ivan Ilitch"

Este clássico de Tolstoi me dava um pouco de medo de ler.

Achei que não entenderia direito, que a tradução prejudicaria muito a leitura, ou que o livro fosse um pouco mórbido. E é.

O autor conta os últimos dias de Ivan Ilitch, e de toda a relativização que se faz das coisas do mundo diante da morte.

Ele era perfeccionista, muito atento ao que iriam pensar da casa dele, das posturas, da imagem que a sociedade teria dele e, ao se ver diante de sofrimentos terríveis, começa a enxergar comportamentos nele mesmo e nos seus familiares que nada têm de amorosos ou empáticos.

Ao acompanhar a semana final de Ivan, pude lembrar de algumas vezes em que fui obrigada, pela fragilidade do meu corpo, a refletir sobre a morte.

Tendemos a esquecer todas as importantes decisões que tomamos neste momento de encarar a verdade.

Estar envolvida nesta reflexão novamente por meio da leitura foi ótimo.

É um livro pequeno, de leitura rápida, que fiquei feliz de ler.

Os Laços Complexos do Amor Maternal — "Como Amar uma Filha”

O título deste livro me atraiu por uma razão muito pessoal: não tive a oportunidade de ter uma filha. Sou mãe de dois meninos maravilhosos e, confesso, guardo um arrependimento de não ter tido mais filhos. Quem sabe um deles teria sido uma menina?

Inicialmente, pensei que poderia me conectar com a narrativa através da minha própria experiência como filha — afinal, sou uma de três irmãs.

Mas a história tomou um rumo diferente do que eu imaginava, revelando uma dinâmica que me fez refletir sobre as complexidades das relações familiares.

A autora nos apresenta uma relação sufocante entre mãe e filha, marcada por um amor que se mistura com narcisismo.

É uma história que culmina em separação devido à luta da jovem por sua individualidade, com uma reviravolta que nos mostra o quanto pode ser desafiador desenredar relações familiares tóxicas.

Esta leitura me proporcionou não apenas um mergulho nos costumes judaicos, mas principalmente uma profunda reflexão sobre como os ciclos familiares precisam de atenção e, às vezes, correção para que todos possam encontrar sua felicidade.

O Rio de Janeiro e a Evolução do Papel Feminino — "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”

Ler este livro foi como abrir uma janela para o Rio de Janeiro dos anos 50, me transportando da minha infância em Leopoldina direto para as ruas cariocas de uma época que não vivi, mas que de alguma forma me parece familiar.

O que poderia ser apenas uma "fofoquinha" sobre a vida de uma carioca se revelou um poderoso retrato da evolução do papel da mulher na sociedade.

Através dos olhos de Eurídice, pude enxergar melhor a vida que minha mãe e minhas tias viveram — aquela necessidade constante de se adequar a um papel submisso, sufocando sonhos e ambições em nome do que "deveria ser".

É fascinante como o autor consegue capturar a essência do Rio daquela época, com seus costumes e hábitos tão particulares.

Para nós, cariocas de coração, é um mergulho nostálgico em uma cidade que continua a nos encantar, mesmo com todas as suas transformações.

Esta narrativa me fez refletir sobre quanto caminhamos como mulheres e como hoje podemos escolher nossos próprios caminhos, seja na vida pessoal ou profissional.

Desafios e Escolhas — Entre Veredas e Gatos

Grande Sertão Veredas

Se os Gatos Desaparecessem do Mundo

Minha jornada literária deste semestre teve dois encontros interessantes que me fizeram refletir sobre limites e escolhas: "Grande Sertão: Veredas" e "Se os Gatos Desaparecessem do Mundo".

Com Guimarães Rosa, preciso ser honesta: fiquei paralisada na "sala escura" dos neologismos.

Mesmo com a ajuda de vídeos explicativos do YouTube, não consegui avançar. E sabe de uma coisa? Está tudo bem. Aprendi que, assim como nos filmes, prefiro emoções boas na literatura, sem medos ou tristezas excessivas.

Já "Se os Gatos Desaparecessem do Mundo", que continuo lendo, chegou em um momento especial: este período de fechamento de ciclos.

O que faríamos se soubéssemos exatamente quanto tempo nos resta? É uma reflexão que nos faz questionar o valor que damos às coisas materiais em detrimento do que realmente importa.

Assim como não sei como terminará o livro, não sei como terminará o ano.

Mas tenho certeza de que estas leituras me ajudaram a ter mais consciência sobre o que verdadeiramente vale a pena em nossa jornada.

Um Convite à Reflexão

Querida leitora,

Este retorno à ficção em 2024 me mostrou que às vezes precisamos nos permitir simplesmente ler por prazer. 

Entre uma cirurgia e outra, entre as consultas e os compromissos familiares, descobri que estas histórias não são apenas uma forma de escape, são verdadeiras professoras de vida.

Cada livro me trouxe reflexões diferentes: sobre propósito profissional com Agassi, sobre nossa finitude com Ivan Ilitch, sobre relações familiares com a mãe judia, sobre a evolução feminina com Eurídice, e sobre nossas escolhas com os últimos livros.

Convido você a fazer essa pausa também.

A se permitir mergulhar em histórias que podem parecer distantes da sua realidade, mas que carregam verdades universais sobre quem somos e o que queremos ser.

Com carinho,

Dra. Luciana Palma (Lu) 🤍

Enriquecendo a alma

📚 Livro que estou lendo:
Se os gatos desaparecessem do mundo por Genki Kawamura

🎬 Filme que recomendo:
The Family Plan

🎬 Série que estou assistindo:
Shrinking

🎧 O que tenho ouvido:
Diary of a CEO, com Dr. K

Quem é a Dra. Luciana Palma

Deixa eu me apresentar a você que chegou aqui agora.

Muito prazer! Sou a Luciana (Lu), cirurgiã plástica especializada em cirurgia das mamas, com mais de 23 anos de experiência na área. Formada pela UFJF em 1993, realizei residência em cirurgia geral e no INCA, no Rio de Janeiro.

Desde 2001, me dedico à Técnica de Mastopexia com cicatriz reduzida em L, buscando resultados estéticos superiores com menor invasividade.

Com mais de 5 mil cirurgias realizadas, sou preceptora de Serviços Credenciados da SBCP e coordeno o Curso Mama em L, compartilhando minha experiência com outros cirurgiões plásticos.

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